
OK, você já viu esse “filme” antes. Astro da comédia busca respeitabilidade como ator estrelando uma produção completamente fora de seu registro habitual. Tom Hanks, Robin Williams e Jim Carrey já fizeram este caminho. Agora chegou a vez do bobalhão Will Ferrell. E a escolha do filme não poderia ser mais adequada. “Mais Estranho Que a Ficção” tem tudo para ser daquelas obras de estimação que nos orgulhamos de ostentar uma cópia em DVD na estante, ao lado de clássicos modernos como “Truman Show”, “Quero Ser John Malkovich”, “Adaptação” e “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”. Sem dúvida não fará feio em meio a essas ilustres companhias.
Consta que esse roteiro perambulou por muitos anos em Hollywood, mas o roteirista (Zach Helm) não vendeu barato sua idéia pois acreditava desde o início que tinha uma grande história nas mãos. Certo ele, sorte nossa. Sem o controle de qualidade que impôs à produção o filme poderia facilmente ser transformado numa comédia boboca estrelada por Adam Sandler.
A premissa de “Mais Estranho Que a Ficção” é ótima, embora não seja exatamente original. A vida de todos nós segue por mil caminhos e esbarra em outras tantas encruzilhadas. Há aqueles que acreditam que tudo já está escrito, e há aqueles que acreditam que somos os verdadeiros protagonistas das nossas existências. O filme de Marc Forster, o mesmo de “A Última Ceia” e “Em Busca da Terra do Nunca”, explora todos os lados dessa questão e avança por três níveis de narrativa.
Existe o protagonista, Harold Crick (Ferrel), um auditor do Imposto de Renda que tem sua vida monótona narrada por uma “voz interior”; existe a escritora com bloqueio criativo (Emma Thompson) em busca de uma solução para o interminável romance que escreve, e por fim há o professor de letras e salva-vidas nas horas vagas (Dustin Hoffman) que parece ter a solução do mistério ao basear suas teses na literatura.
Como espectadores podemos escolher um dos lados da história. Podemos compartilhar a paranóia de Crick que vê seu mundinho matemático e metódico ruir como um castelo de cartas. Podemos enxergar tudo como uma grande piração da mente de uma escritora à beira de um ataque de nervos. Ou ainda podemos compreender a narrativa como uma grande experiência de um professor (e possivelmente escritor frustrado) que manipula seu “paciente” na construção da grande história da sua vida, no grande livro que nunca escreveu.
O roteiro de “Mais Estranho Que a Ficção” é suficientemente inteligente e bem sacado para apresentar essa visão multifacetada que as pressões da vida moderna impõe aos cidadãos das grandes metrópoles. A questão recorrente no filme é: nossa vida é um livro a ser escrito ou é uma obra pronta e acabada? Seja como for, não importa a capa nem o número de páginas deste livro. O que mais vale é a aventura de construí-lo (ou escrevê-lo) página a página. Até o inevitável ponto final. Ainda que esse ponto final possa ficar num local bem improvável, além do “Fim”, como sugere a última, significativa e enigmática cena do filme. Isso é mais do que ficção. Não é um roteiro. É a vida.

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